Ícone do site Dra. Daniela T. Rigotto Bannwart

Vacina COVID-19: Posicionamento oficial ASBAI

As vacinas, assim como qualquer imunobiológico, são consagradas pelas inúmeras vantagens inerentes à proteção da saúde, apesar dos potenciais riscos de eventos adversos que, na imensa maioria das vezes, são leves e controláveis. A literatura médica exibe evidências robustas de que, até o momento, os potenciais danos causados por vacinas não superam o risco individual e populacional das doenças por elas preveníveis. Hoje, o maior anseio da ciência e da população mundial é que nos livremos das mortes e complicações causadas pelo novo SARS-CoV-2.

De forma geral, as vacinas são consideradas seguras, mas reações adversas podem ocorrer com qualquer vacina. Dentre estas, reações imunoalérgicas, por diferentes mecanismos e de intensidades variáveis, estão entre as possibilidades para qualquer vacina ou medicamento, inclusive para aqueles considerados “naturais ou inocentes”. Felizmente, as reações alérgicas graves que ameaçam a vida são raras em todas as faixas etárias. A anafilaxia é uma reação grave e potencialmente fatal. No entanto, se adequadamente tratada, pode evoluir com um desfecho sem sequelas. Anafilaxia relacionada a vacinas é Vacina COVID-19 e reações imunoalérgicas Posicionamento da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia – ASBAI um evento raro, com incidência estimada em 1,31 casos para cada 1.000.000 de doses de vacinas aplicadas (IC95%: 0,90-1,84).

Durante a investigação de uma possível reação alérgica a determinada vacina, é fundamental obter-se uma anamnese detalhada para identificar se a reação estava associada ou não a outras etiologias não relacionadas aos componentes vacinais (por exemplo, exposição ao látex presente na tampa dos frascos em pacientes alérgicos ao látex).

É importante ter em mente o conceito de que as reações imunoalérgicas são antígeno-específicas, ocorrem após um contato prévio com o determinado antígeno (comumente uma proteína), que ocasiona hipersensibilidade e pode deflagrar diferentes sintomas de alergia no indivíduo. Portanto, é necessário investigar a composição da vacina e qual componente específico da vacina poderia estar relacionado à reação alérgica. Dentre os potenciais componentes vacinais alergênicos estão os próprios antígenos vacinais, proteínas carreadoras, gelatina, ovalbumina, proteínas do leite, leveduras, látex e polietilenoglicol. Uma vez estabelecida a etiologia do componente responsável pelas reações alérgicas, é possível fazer uma orientação mais específica ao paciente.

Desde o início da pandemia pelo SARS-Cov-2, a busca por uma vacina eficiente e segura tem mobilizado centros de pesquisa em inúmeros países. Idealmente, este imunizante deve ser capaz de estimular uma resposta imunológica duradoura e estar disponível a todas as populações para permitir uma ampla cobertura vacinal. Atualmente existem centenas de vacinas para a doença causada pelo novo coronavírus em desenvolvimento no mundo, em fases pré-clínicas ou clínicas. Os seis principais tipos de vacina em pesquisa para COVID-19 incluem plataformas de produção com vírus vivo atenuado (estudos préclínicos), vetor viral recombinante, vírus inativado, subunidade de proteína, partículas semelhantes ao vírus e com base em ácido nucleico (DNA ou RNA). A plataforma baseada em ácido nucleico inclui vacinas de RNA mensageiro (mRNA) (6 clínicas e 16 pré-clínicas) e vacinas de DNA de plasmídeo (4 clínicas e 11 pré-clínicas).

Um potencial efeito imunológico das vacinas é o desencadeamento de doença exacerbada por anticorpos (antibody-dependent enhancement – ADE), em que anticorpos não neutralizantes ou fracamente neutralizantes, induzidos pela vacina, se ligariam ao vírus, promovendo sua maior captação por células do hospedeiro, por meio dos receptores Fcγ. Esse fenômeno foi observado experimentalmente e clinicamente após a vacinação contra outros vírus, como o vírus da dengue, o vírus sincicial respiratório e o coronavírus felino. Em relação às vacinas COVID-19, a ocorrência desse evento está sendo monitorada, e as evidências são limitadas até o momento. Neste sentido, nos estudos clínicos, a verificação de resposta imunológica com produção de anticorpos IgG neutralizantes e ensaios que indiquem a polarização para resposta Th1, oferecem evidências de segurança que permitem prosseguir para a Fase 3 por terem baixo risco de desencadear a doença respiratória exacerbada por anticorpos.

Há atualmente em estudo cerca de 20 vacinas que utilizam a tecnologia mRNA. O RNA mensageiro é transcrito in vitro a partir do RNA genômico e codifica antígenos dos vírus. É introduzido nas células, carreado por frações lipídicas, e induz a produção de proteínas dos vírus, que não produzem infecção, mas estimulam a resposta protetora do sistema imunológico. Este processo ocorre no citoplasma e o material genético não penetra no núcleo da célula e, portanto, não altera o DNA do hospedeiro. A vantagem desta tecnologia é que tem menor custo e pode ser produzida mais rapidamente.

No estudo de fase 2/3 da vacina BNT162b2 (Pfizer/BioNTech), que utiliza a tecnologia do mRNA, foram incluídos 43.448 participantes, sendo 21.720 no grupo vacina e 21.728 no grupo placebo. Os principais efeitos adversos relatados foram dor local leve a moderada, fadiga e febre. As reações graves foram raras e semelhantes no grupo placebo e vacina. Quatro indivíduos do grupo BNT162b2 tiveram reações adversas graves: dano no ombro relacionado à administração da vacina, linfoadenopatia, arritmia ventricular paroxística e parestesia de membro inferior à direita. Dois indivíduos no grupo BNT162b2 morreram, e quatro no grupo placebo. Nenhuma das mortes foi considerada pelos investigadores como relacionada à vacina ou placebo. Não foi observada morte por COVID-19.

Portanto, é importante esclarecer que as atuais vacinas contra a COVID-19 estão passando por várias etapas de estudos, seguindo as clássicas fases clínicas 1, 2 e 3 de testagem em seres humanos, que avaliam eficácia e segurança, antes de seu licenciamento para uso em larga escala na população, denominada fase 4. O diferencial é que essas fases foram aceleradas, seguindo normatizações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e entidades internacionais, diante da atual situação emergencial de morbimortalidade que a COVID-19 impõe sobre nós. Desta forma, qualquer vacina contra o SARS-CoV-2 somente é licenciada e liberada para uso na população quando se mostra segura de acordo com os protocolos internacionais de produção e pesquisa clínica para vacinas. Nenhuma vacina será utilizada sem estudos que avaliem a sua segurança. Eventos adversos mais raros poderão aparecer na fase póscomercialização, quando o uso se amplia para um número muito maior de indivíduos. Estes eventos devem ser notificados e investigados quanto à associação causal com a vacina.

No primeiro dia de aplicação da vacina Pfizer/ BioNtech Reino Unido, foram relatados dois casos de reações adversas imediatas à vacina. Como medida inicial, até que seja esclarecida a etiologia específica dessas reações, foi veiculada uma orientação muito cautelosa de que, neste momento, não seja realizada a vacinação em pacientes alérgicos a medicamentos ou alimentos e pacientes que precisem portar adrenalina autoinjetável.

Em relação aos eventos adversos de interesse especial em participantes randomizados que receberam pelo menos uma dose da vacina ChAdOx1 nCoV-19, que utiliza um vetor viral recombinante, foi relatado um caso de anafilaxia em 12.021 doses aplicadas (< 0,1%), caracterizando-a como um evento incomum.

Concluindo, pacientes alérgicos podem e devem receber todas as vacinas. As unidades de imunização devem estar preparadas para o atendimento de possíveis reações imediatas, que podem ocorrer com qualquer vacina. A grande maioria dos pacientes alérgicos a medicamentos ou a alimentos não são alérgicos a algum componente específico da vacina. Porém, os pacientes com histórico de alergias graves a algum componente das vacinas ou a uma dose prévia de alguma delas, devem ser avaliados com cautela pelo especialista para decidir se esta deverá ser contraindicada, aplicada com supervisão médica ou se estará indicado protocolo de dessensibilização. Em relação ao evento ocorrido com a vacina Pfizer/ BioN, serão necessários mais detalhes do histórico alérgico desses pacientes que apresentaram reações adversas imediatas para esclarecer se o evento foi de fato relacionado a algum componente do imunógeno, e a qual.

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